Sofa virado na areia da praia
Pés velozes que se distanciam
Sofá-cama , berço da angústia
deslocado em meus pensamentos
O sofá é o divã da morte
me comove, me parte por dentro
Então eramos eu e mais três companheiros em mais um dia realizando o usual trabalho de registro em um apartamento qualquer em algum lugar que eu desconhecia totalmente.
Como viera parar ali?
Um errante nunca sabe ao certo o propósito de suas tarefas e o meio por qual chega a elas, no momento apenas me preucupava esforçadamente em realizar minhas obrigações.
O trabalho de registro é uma tarefa relativamente simples, coleta-se de uma casa; fotografias, cartas, textos e outros materiais que contenham infomações, sem exatamente tira-los do lugar ( ato muito natural aos errantes, porém que pode ferir a lógica a qual o leitor está acostumado ). Era nesse trabalho que estavamos empenhados no momento que a jovem dona da casa adentrou o quarto.
Era uma rapariga de belas feições que sendo uma encarnada não notou nossa presença e após apanhar um dos papéis na estante ( ja devidamente registrado) se retirou.
É importante neste ponto o leitor compreender que enquanto aqueles feitos de carne vivem numa realidade sólida e vibrante os Errantes vagam por um tom mais pálido, simples, uma espécie de sublimação de algo já etéreo, estando pois em mundos diferentes, apesar de na maioria das vezes compartilharem o mesmo espaço físico.
Após o serviço estar concluído naquele local, nos dirigimos calados à cozinha da casa, após passar por um tosco corredor (o único caminho disponível para nosso percurso).
Chegando na cozinha me chama a atenção um grande conjunto de facas postos para secar no escorredor. Em uma doentia precaução escolhi uma que ostentava uma grande e afiada lâmina serrada, ato que como que numa angústia coletiva meus companheiros imitaram.
Poucos instantes depois eu a percebi. Vinha de um canto não compartilhado *1 da casa, um trecho escuro, úmido e poeirento. Ela era bem alta e magra, tinha um grande cabelo negro e as feições do rosto eram o que podia se descrever como indeterminadas. Vinha andando vagarosamente em nossa direção e emitia ruídos; sussuros febris e sonâmbulos.
Tentei pronunciar alto as palavras de proteção, mas estas apenas se exteriorizaram de forma gutural e quase inaudível. Logo percebi que ela estava perto demais para uma tentativa de fuga, a única possibilidade de salvação era se jogar desesperadamente em insana luta contra este hediondo ser de trevas e delírio, e foi o que fizemos.
Em meio a gritos , estalos e sangue um de meus companheiros com muito esforço consegue com sua afiada faca serrar fora a cabeça da criatura. O que não resolveu o problema, visto que ela continuava perfeitamente ativa apesar de decaptada, porém esta atividade agora estava confusa, o que nos conferia clara vantagem e grande possibilidade de sairmos todos sem grandes injúrias desta situação.
É neste momento que surgiu das sombras outra figura feminina, de cabelo curto e bem penteado, com uma expressão facial quase congelada
Prontamente a reconheço e exclamo aos meus companheiros: "Amelie Poulain!" *2
Antes que eles possam notar a figura que acabava de entrar na cena ela já havia esviscerado apenas com suas mãos o heróico companheiro que segurava a cabeça da criatura que háviamos acabado de enfrentar.
Percebendo a inutilidade de qualquer tentativa de luta ou defesa me jogo de joelhos enquanto Amelie se aproxima. Porém quando ela chega até mim ao invés de me presentear com sangrenta morte me dá um carinhoso beijo na testa.
Confuso e aliviado assisto ela com um gesto fazer surgir uma entrada na parede, uma espécie de passagem. Entramos eu, ela e mais os dois companheiros que me restavam por este túnel, que de alguma forma era orgânico e parecia ser feito de terra, vozes estranhas podiam ser ouvidas sussuradas por de trás de suas paredes.
Atrás de mim recebo uma recomendação de nossa algoz e salvadora: "Cuidado com as aberrações"
Prosseguimos sem sermos incomodados...